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Profissões da logística
Cartilha SCM

Sarbanes-Oxley no SCM

A mais recente “Tsunami” organizacional alcança a logística.

Não basta mais realizar um processo de Inventário rotativo, se sua empresa é ou fornece para empresas multinacionais com ações na Bolsa de Valores americana, ela precisa estar preparada para comprovar seus controles.

Para tanto, comentaremos neste artigo os conceitos-chave da Lei Sarbanes-Oxley (SOx), e a seguir trataremos das suas implicações nas atividades de Gerenciamento da Cadeia de Abastecimento (SCM).

 

Introdução

 

Antes de 2001 já haviam diversas iniciativas para incrementar os mecanismos de Governança Corporativa. Aliás, entendemos como governança corporativa o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal, com a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade.

Após o final de 2001, o alerta foi disparado após uma série de escândalos sobre manipulação contábil, demonstrando que as bolsas de valores estavam extremamente vulneráveis, fato este que abalou o valor de empresas sólidas e confiáveis.

O caso mais conhecido foi da Enron, que era a quinta maior empresa norte-americana e estava entre as 100 melhores empresas para se trabalhar. Suas ações cairam de US$ 90 em dezembro/2001 para US$ 0,81 em dezembro/2002, após ter sido constatada total falta de ética de advogados, analistas de mercado e auditores independentes.

Logo a seguir, outro caso envolveu a Arthur Andersen, que tinha 89 anos de mercado e praticava preços elevados em virtude de seu prestígio. A empresa tinha 85.000 funcionários no mundo e faturava US$ 5 bilhões/ano. Além de suas práticas de "contabilidade criativa", antes de fechar chamou a atenção, logo que começaram rumores com seus clientes, destruindo toda documentação que pudesse comprometer os envolvidos.

Um caso também muito comentado foi da WorldCom, que era a segunda maior empresa de telefonia norte-americana. Seu escandalo envolveu a manipulação de operações de leasing, e a cada aquisição de empresas, se valia da falta de uniformidade para ocultar suas deficiências.

Houveram diversos outros casos, tais como a Xerox, que contabilizava contratos de longo prazo a valor presente; a Bristol-Myers Squibb, que registrava faturamentos ainda não realizados; e a Parmalat, que culminou com executivos presos, suicídios e assassinatos.

Enfim, a SOx foi editada com a finalidade de restaurar a confiança dos investidores nos mercados abertos americanos. Publicada em 30 de julho de 2002, as empresas tinham prazo para se enquadrarem com a SOx até o final do exercício fiscal de 2006. Esta lei alcança as empresas norte-americanas e aquelas que comercializam papéis nas bolsas dos Estados Unidos, com o objetivo é restaurar o equilibrio do mercado por meio de mecanismos que assegurem a responsabilidade da alta administração da empresa com relação a confiabilidade da informação por ela fornecida.

Além da lei, o sistema envolve também órgãos regulamentadores que editam normas para detectar falhas dos sistemas contábeis, tais como padrões de auditoria, regras para emissão de pareceres, regra para controle de qualidade dos serviços de auditorias independentes, padrões éticos e padrões de independência para auditores. Este último tópico, por exemplo, proibe a realização de alguns serviços por auditores independentes, tais como guarda de livros contábeis, concepção e implementação de sistemas de informações financeiras, cálculo do valor econômico, serviços de auditoria interna, funções administrativas e serviços legais.

 

Muitas entidades envolvidas e muitos interesses em jogo.

 

Nos Estados Unidos vale relacionar a Bolsa de Valores de Nova York (NYSE); SEC (Securities and Exchange Commission) (que é a equivalente norte-americana de nossa Comissão de Valores Mobiliarios, CVM); Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), orgão da SEC que autoriza o exercício das funções de auditoria e supervisiona os auditores independentes. Temos também outras tantas empresas de auditoria independente, entre as quais as “Big 4” remanescentes: Ernst&Young, KPMG, PriceWatherhouseCoopers e Deloitte Touche Tohmatsu. São estes auditores que supervisionam as atividades dos contadores, e se reportam ao comitê de auditoria da empresa. Isto é, institucionalizou-se o “Controle do Controle do Controle”.

No Brasil temos envolvidos o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, CVM, Conselho Federal de Contabilidade (CFC), e o BNDES, bem como as empresas de capital aberto cujas ações são comercializadas em bolsas norte-americanas, tais como Gol, Braskem e Itaú.

Conceitualmente, entre as partes interessadas ainda podemos incluir os acionistas da empresa, investidores temporários, empregados, administradores, clientes, governo, entidades reguladoras, fornecedores e bancos.

 

Conceitos-chave da conformidade com a SOx

 

A SOx determina a existência de um comitê de auditoria da empresa, de forma que o  auditor deve se reportar ao Comitê de Auditoria, e não ao diretor financeiro da empresa que o contratou. O Comitê de Auditoria se reporta ao Conselho de Administração. Esta prática assegura a independência do auditor para a realização efetiva de sua função.

Também institui, para as empresas qua ainda não formalizaram, a área de Controles Internos, enfatizando a importancia da acurácia das informações. Aliás, o diretor executivo (CEO) e diretor financeiro (CFO) devem assinar trimestralmente uma declaração onde afirmam que apresentaram aos auditores independentes e ao Comitê de Auditoria todas as deficiências significativas relacionadas à concepção e operação de controles internos que possam vir a afetar negativamente a habilidade do registrante em contabilizar, processar, resumir e reportar dados financeiros.

A SOx exige que os administradores assumam a responsabilidade pela transparência interna e externa de suas empresas, sistematizando os processos e instrumentos de “reporting” e eqüidade, isto é, tratamento igualitário que assegura a proteção dos direitos de todos os usuários da informação contábil.

Além da prestação de contas fundamentada, naturalmente, nos princípios contábeis geralmente aceitos. A lei também enfatiza o aspecto da relevância, ou seja, aquilo que faz/representa alguma diferença no momento da tomada de decisões.

Entre as especificações, estabelece qua a informação deve ser útil. Isto significa afirmar que deve ser oportuna, isto é, a informação precisa estar disponível no momento em que o conhecimento a seu respeito tem condições de influenciar a decisão, bem como deve ser acurada, ou seja, devemos garantir que a informação é razoavelmente livre de erros ou viés. Além disto tudo, o fato reportado deve ser objetivo (comprovável), e a informação deve ser clara e direta (linguagem fluente) de forma a não restringir sua compreensão aos leigos.

A SOx também determina que haja um Código de Ética disponibilizado publicamente, e que seja assegurada a integridade e responsabilidade dos executivos.

Em termos de segurança, a empresa deve assegurar eficiência e eficácia das operações, a confiabilidade nos relatórios financeiros e a conformidade com a legislação e regulamentos. Em termos de conformidade, é preciso assegurar que as informações preparadas pelas empresas obedeçam às leis e regulamentos corporativos (compliance).

Algumas pessoas afirmam que SOx é um exagero, pois gera maiores custos, no entanto se trata de uma oportunidade para aqueles gestores que argumentavam da necessidade de controles mais efetivos. O fato é que todo este esforço, no final das contas, acaba gerando maior valor para o mercado, pois os investidores estão dispostos a pagar mais por ações de empresas que adotem boas práticas de governança corporativa.

 

E enfim, o SCM ganhou destaque.

Inicialmente, os impactos da SOx se concentravam nos requisitos contábeis e financeiros. No entanto, como a SOx exige documentar e avaliar detalhadamente todos os processos que tenham reflexos nos relatórios contábeis, os aspectos relacionados com SCM ganharam destaque, principalmente em virtude das seções 401 e 404 da SOx, ativando um processo em cascata de certificações em conformidade à SOx .

Assim, as seções da SOx que são mais relevantes para os Gestores da Cadeia de Abastecimento tratam, entre os aspectos de:

Seção 301: Denúncias anônimas

Seção 302: Qualidade na fonte

Seção 401: Divulgação de relatórios periódicos

Seção 404: Declarações

Seção 409: Informações relevantes

Seção 906: Penalidades

Em relação às transações com terceiros, a SOx se refere aos colaboradores internos da empresa como "emissores de informações" (denominados “issuers”), e aos fornecedores e clientes como "entidades separadas" (empresas não-consolidadas ou outras pessoas).

Tambem preconiza que quaisquer negociações e acordos com estas entidades separadas devem apresentar visibilidade, fato que deverá abrir ainda mais oportunidades para promover as soluções informatizadas.

Na prática do SCM é possivel estabelecer transações com entidades separadas ditas "fora dos balanços", tais como contratos de garantias e ativos transferidos, em poder de terceiros. É o caso de produtos em poder de operadores logísticos, compromissos de compra ou VMI (Vendor Management Inventory), que formalizam acordos sobre posse e propriedade efetiva e o fato gerador da transação.

Quanto à documentação dos processos, a seção 404 estabelece que as empresas devem publicar seus processos de negócios e os controles internos que asseguram a acurácia das informações contábeis geradas nestes processos. Os pioneiros tem se esforçado em determinar como documentar adequadamente, pois a lei pode ser interpretada de diversas maneiras. Em um exemplo típico no SCM, considerando o caso de um operador logístico, é necessário que a empresa audite todos os processos da entidade separada (terceiro), ou é suficiente auditar o processo de faturamento deste? Para resolver este dilema, a administração da empresa deve estabelecer o critério, no entanto os auditores independentes devem participar desta decisão.

 

Gerenciamento de riscos

Em virtude de sua enfase nos controles internos, a SOx destaca muito o tema Gerenciamento de Riscos, já conhecido por diversos profissionais de logística. Dentro deste topico, vale comentar sobre a assimilação dos riscos: Os arranjos com entidades separadas agregam riscos adicionais que precisam ser avaliados por “controles internos”, em termos das exigências de conformidade dos relatórios contábeis.

Os gestores da logística devem estar atentos aos efeitos das seções 409 e 302 em seus relacionamentos com terceiros, assegurando que suas decisões são consistentes, que os relações são estáveis e que os contratos estão sendo executados conforme acordados. Se um terceiro sofre uma ruptura de atendimento, a empresa deve identificar e atenuar este risco, não apenas para si própria, mas também para as "entidades separadas". O mesmo ocorre com relação aos riscos de ataques terroristas, por exemplo.

Desta forma, passou a ser exigido que sejam elaborados Planos de Contingências e recuperação, bem como controles para estas operações logísticas.

 

Abrangência da SOx

Acaba sendo um paradoxo: Apesar da SOx ter inúmeras implicações nas atividades logísticas, a lei não especifica com clareza o que entende por "mudança material" relevante. Até mesmo a SEC reconhece esta lacuna, sendo requisitada em definir orientações mais claras neste sentido.

Enquanto isto não ocorre, podemos explorar algumas implicações da SOx que já se destacam no gerenciamento da cadeia de abastecimento:

Em termos de suprimentos, a governança sobre os cadastros, em termos de identificação inequívoca, especificação, classificação e parametrização dos materiais se tornaram crítica; Idem aos processos de aprovações dos pedidos de compras, quantidades e tolerâncias. Mecanismos apropriados para controle e rastreabilidade das matérias-primas a caminho, bem como controle de protocolos logísticos (SLA), divergências e ajustes no recebimento também.

Não surpreende o destaque que recebe a gestão dos estoques, pois representa um dos principais ativos do balanço patrimonial, bem como influencia muito na apuração dos resultados na Demonstração dos Resultados do Exercício (DRE); Os principais pontos de atenção residem na acurácia dos saldos (inventários rotativos), seguida da segurança patrimonial e controle dos processos de armazenagem fisica.

Em termos de estoques consignados, a posse e propriedade dos materiais é outro aspecto cuja determinação é relevante para determinar quais ativos devem constar nos balanços.

Por fim, como assegurar o faturamento acurado? Da mesma forma, é necessário conhecer com acurácia quando o produto passa a pertencer aos clientes, para que possam ser subtraídos do ativo estoque na ocasião efetiva.

 

Por onde começar a implementar a SOx na SCM?

Podemos sugerir alguns passos neste sentido. Inicialmente convém formalizar um projeto, com uma equipe de profissionais multifuncionais para realizar tal empreitada. Destacamos que para colaborar efetivamente com esta atividade é fundamental que os gestores da cadeia de abastecimento estejam familiarizados com os princípios contábeis geralmente aceitos. Da mesma forma, contadores e auditores que não tenham noções das boas práticas logísticas terão dificuldades para agregar contribuições aos desafios da operação.

A equipe poderá então, avaliar o ambiente de controle, procurando identificar os processos relevantes. A seguir, deverá documentar os processos relevantes, atividade que certamente irá representar um grande esforço dos envolvidos.

Depois de formalizados os processos, podemos aplicar as técnicas de gerenciamento de riscos, procurando identificar o que pode comprometer os processos e os controles internos, para então desenvolver respostas preventivas e contingenciais.

Enfim, podemos testar e validar a efetividade dos controles, estruturando um repositório de controles. Quando os controles internos da empresa estiveram consistentes, então será possivel extender o processo para a cadeia, buscando auditar os controles internos nos terceiros.

Cursos recomendados:
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