Elevar Capital de Giro reduzindo defeitos em Contratos Financeiros
Qualquer agente financiador tem por objetivo gerar mais dinheiro hoje e no futuro, como afirma a Teoria das Restrições (TOC). Neste sentido, uma das condições necessárias é reduzir o risco do negócio, em todas as transações efetuadas. Este estudo de caso de nosso parceiro e consultor empresarial Ricardo Castro mostra como foi aplicada a metodologia Six Sigma em um Projeto de Ativação de contratos na BMW Financial Services. Sempre que este processo avança com menos defeitos há um impacto positivo tanto no atendimento e satisfação do cliente, como na carteira e resultados da empresa.

CONTEXTO
As montadoras de automóveis oferecem aos seus clientes a possibilidade de adquirir seus produtos através de financiamentos. As partes envolvidas são a fábrica, o importador, a concessionária, a financeira e o cliente final. Sejam produtos feitos para estoque (MTS, Make to Stock) e disponíveis na concessionária, ou mesmo carros que são encomendados (MTO, Make to Order), o procedimento financeiro é semelhante.
Por exemplo, para um caso MTO, a concessionária gera um pedido para a fábrica após especificado pelo cliente. Este automóvel, uma vez produzido, seguirá para o importador e do importador para a concessionária. Até esta altura e, por um período que varia entre 1 a 2 meses, a concessionária não necessita pagar pelo carro, pois o mesmo pertence à financeira que, entretanto, o pagou ao importador.
Terminado este período – conhecido por “período de graça” – a concessionária pode liquidar o carro, se não quiser incorrer em juros. Isto significa que se a mesma enfrentar uma dificuldade de liquidez haverá urgência para vender o carro, tão cedo quanto possível. Nos casos em que a aquisição não for a vista, o cliente final irá contrair uma dívida perante a financeira, a partir do momento em que o contrato for celebrado entre ambos.
Quando tal acontece, o que implica que todos os documentos necessários à sua celebração estejam presentes e conformes, o contrato se torna ativo e o dinheiro da financeira é transferido para a concessionária. A partir daqui, o cliente passará a pagar uma parcela mensal à financeira, seja um serviço de leasing, crédito, ou outros similares.
Qualquer processo começa e termina no cliente final, pois existe sempre uma necessidade que deve ser satisfeita. Neste modelo de negócio, se por alguma razão o contrato não puder ser imediatamente ativado, o cliente será penalizado e a concessionária também, pois terá uma menor liquidez, já que o dinheiro ficará imobilizado no sistema, sem agregar valor às partes.
Qualquer processo que coloque em risco a relação entre o cliente e o agente de financiamentos põe em risco o próprio negócio. O que mostramos neste estudo de caso é que ao se reduzir o número de defeitos no processo administrativo da financiadora, seu fundo de manuseio (capital de giro) aumenta, o tempo de aprovisionamento (lead time) diminui e, consequentemente, a satisfação do cliente tende a aumentar. Este aumento poderá se traduzir em mais vendas, contribuindo assim para maior prosperidade em toda a cadeia de valor.
DEFINIÇÃO
Nesta fase construímos a Proposta Executiva do Projeto com o apoio do Champion, que foi o diretor de operações da financeira. Foi definido a abrangência, a equipe, a descrição do problema, os ganhos esperados e o objetivo do projeto. Definimos que a métrica operacional que mede a qualidade do processo de ativação dos contratos é a chamada taxa de documentos errados.
Este valor é apurado quando se divide o número de contratos não conformes pelo número de contratos total. Para o ano de 2015 e a nível nacional, o valor situava-se numa média de 65%. Ou seja, por alguma razão, 65% dos contratos não podem ser imediatamente ativos, com todos os efeitos negativos inerentes, tal como um elevado tempo de aprovisionamento para o cliente ou uma redução do capital de giro para a concessionária. Porém, e para levar a cabo uma melhoria drástica no processo devemo-nos afastar de métricas discretas e aproximarmo-nos de métricas contínuas. Foi assim definido que a métrica que mediria o êxito do projeto seria o «número de defeitos por contrato». Isto porque para um contrato não conforme, não é indiferente se o mesmo tiver 1 defeito, ao invés de 7 defeitos.
Neste sentido, o objetivo do projeto foi: reduzir o número de defeitos por contrato para menos de 0,1 em uma concessionária específica, até maio de 2016. Repare-se que sob este cenário dizemos que o processo iria melhorar em cerca de 10 vezes (10 vezes menos defeitos), ou em 1.000%
Ainda durante a fase de definição começou a ser operacionalizado o que é um defeito no processo e qual o número de oportunidades para um defeito específico. Por exemplo, a equipe procurou responder: para um determinado comprovante bancário, de quantas formas pode ser visto como um documento não conforme?
A complexidade e a qualidade de um processo podem ser simultaneamente medidas a partir da métrica defendida por Mikel Harry: Rolled Throughput Yield. O RTY mede a probabilidade de um determinado contrato ter zero defeitos, depois de ter passado por todos os passos do processo (considerando independência entre os mesmos). Quanto mais simples o processo e quanto maior a qualidade em cada passo, maior o valor RTY.
MEDIÇÃO
Segundo a experiência do autor, um dos pontos mais desprezados, tanto para os black belts menos experientes, como para as pessoas em geral é a validação do sistema de medição.
Quando se diz que algo vale «6», quão confiantes podemos estar de que efetivamente o valor verdadeiro é 6? Por outras palavras, antes de se olhar para qualquer relatório ou antes de se medir algo é necessário garantir que o sistema de medição é exato e preciso numa determinada proporção. Isto é, ele não precisa ser perfeito (nunca será), mas tem se ser suficientemente bom de modo que consigamos melhorar o processo.
De contrário, teremos demasiado ruído na análise e as conclusões estarão mais vezes erradas do que certas. Para efeitos de validação do sistema de medição foi feito um estudo de 30 contratos, para se estudar a sua reprodutibilidade. Dois colaboradores da financeira fizeram a avaliação dos mesmos.
MELHORIA
Conhecidas as causas-raiz, chegou o momento do pensamento da equipe direcionar-se para as soluções. Para que a adesão das partes fosse a maior possível, fez-se uma apresentação do projeto à concessionária para mostrar «o que mudar?».
Tanto na área financeira como na concessionária decidiu-se promover dois eventos Kaizen Blitz – workshops de 8 horas. A ideia destes eventos é reduzir o desperdício do próprio projeto e implementar as ações corretivas no próprio dia, se possível.
Após a implementação destas ações foi realizado um teste piloto do dia 16 ao dia 31 de Maio. Os resultados obtidos mostraram claramente uma melhoria efetiva no processo. O que antes era considerado normal – dois defeitos por cada três contratos – passou agora a ser tratado como uma causa especial, já que os novos limites de controle situam-se entre o zero e os quase dois defeitos.
A probabilidade de um contrato estar livre de defeitos é agora de 0,9 e o processo de ativação melhorou a sua qualidade em 640%. Em termos concretos, o número de defeitos por pacote durante o teste-piloto foi de 0,107, o que se traduziu numa taxa de documentos errados de 10%.
Em termos do capital de giro, o impacto também foi significativo. Apuramos o montante financiado em dois períodos distintos: Março (antes das ações corretivas) e Maio (durante o teste-piloto). Os valores foram tecnicamente os mesmos, no entanto observamos que o montante imobilizado da financeira para a concessionária foi de 545.700€ em março, contra os 119.400€ durante o teste piloto.
Se quisermos, a taxa de disponibilidade imediata (liquidez) aumentou de 44% para 87%. Quando comparamos a taxa de documentos errados entre estes dois períodos vemos um decréscimo de 61% para 10%.
Para quantificarmos os ganhos anuais do projeto devemos calcular o diferencial do montante financiado não pago de imediato, para estes dois momentos distintos: Março e Maio. Depois, multiplica-se por 12 meses e soma-se, ainda, os juros que a concessionária deixará de pagar. Contas feitas, 5.1M€ é o aumento de capital que agora é pago de imediato à concessionária, ao ano, devido à redução do número de defeitos.
LIÇÕES APRENDIDAS
É muito mais difícil melhorar um processo se não existirem na sua base padrões claros e efetivos. Não será por acaso que na base da casa do sistema de produção da Toyota está o conceito de padronização. O trabalho padrão não é um fim em si mesmo, mas uma forma de comparação, de detecção de desvios, de estabelecer objetivos, de manter o conhecimento dentro da organização e de aumentar a autonomia do colaborador quando da realização das suas tarefas diárias.
Para se promover o espírito de kaizen (melhoria contínua), qualquer processo necessita de um mecanismo de feedback. Se o resultado da informação gerada por um sistema não é devolvido, o mesmo não saberá qualificar o trabalho executado. O objetivo final da abordagem Six Sigma é eliminar medições em um determinado processo quando o mesmo atinge um nível de execução extraordinário. Mas até lá necessitaremos melhorar continuamente e, sem um sistema de alimentação proativo/reativo tal deixa de ser possível.
Qualquer processo com problemas de controle pode ser drasticamente melhorado e sem investimento. Um problema ou é de aspecto financeiro ou de controle. Para se construir uma ponte não há outro modo senão investir dinheiro e construí-la. Para todos os outros problemas que não caem nesta classificação significa que só controlando as variáveis de entrada que verdadeiramente importam será possível obter ganhos consideráveis, sem necessidade de investimento.
Conseguimos, com este projeto e numa concessionária específica, atingir o melhor Doc Error Rate na SF6-PT e é um dos melhores resultados da região, entre Portugal, Espanha, França, Alemanha e Itália. O resultado obtido foi de 0,1 defeitos por pacote. Se por um lado, o autor acredita que ainda há margem de melhoria através das reuniões de feedback, por outro lado também será verdade dizer que 0,02 defeitos por pacote será uma barreira intransponível, enquanto o processo se mantiver pouco automatizado e complexo.
A velocidade de propagação da solução às outras concessionárias vai depender da liderança em 90% e da solução técnica em 10%. Só após essa propagação é que a taxa de documentos errados será positivamente afetada. A solução técnica já mostrou funcionar. No que diz respeito à replicação da solução, a restrição estará no compromisso e liderança. Tal como Mikel Harry fez por mostrar, a abordagem Six Sigma começou por ser uma métrica, depois uma metodologia e depois evoluiu para um sistema de gestão. Mas, aquilo que fez a diferença entre o êxito e o êxito estrondoso foi a liderança.
Melhorar processos horizontais exige um esforço muito maior e a liderança torna-se ainda mais importante. O pressuposto que alimenta este raciocínio é o seguinte: quanto mais donos de processo há, mais complexo o mesmo se torna. Neste projeto temos três grandes entidades: o cliente, a concessionária e a financeira. O número de variáveis que necessitam ser controladas é maior, e por isso é preciso despender mais energia.
Pensar grande» tem que ser uma das forças principais do negócio. No início do projeto ninguém acreditava que seria possível chegar a um valor de 0,1 defeitos por pacote. Vários fatores podem contribuir para isto. Por exemplo, quando não há histórico de que alguma vez se obteve um desempenho a este nível, as pessoas acabam por inferir sobre a realidade, sem que os pressupostos sejam colocados em causa. Neste caso, a própria variação intrínseca do processo a nível nacional conduziria a valores pouco agressivos (na ordem dos 0,6 defeitos por pacote). Felizmente, a abordagem Six Sigma tem já 25 anos de existência e exemplos suficientes de que em determinadas condições é possível obter melhorias significativas.
É muito mais difícil pensar simples. Há um longo caminho a percorrer se quisermos ser os melhores dos melhores. Só é possível pensar simples se nos dispusermos a analisar convictamente um sistema, para que a principal causa raiz seja identificada. Nessa altura, pensar simples torna-se muito mais natural porque passa a ser conhecido como todo o sistema funciona. Em vez de se tomarem várias ações corretivas que ajudarão a minimizar vários efeitos indesejados, teremos antes a possibilidade de com uma solução atuar em 60% ou 70% da variabilidade do sistema. Daí que, quem não fizer este exercício de apurar a verdadeira causa raiz caia na tentação de colocar mais «um item aqui ou um arame ali» para promover uma pequena melhoria no sistema; sendo que com isso o estará a tornar mais complexo e difícil de ser gerido.
Agradecemos a oportunidade e o apoio que me foi dado para realizar este projeto, especialmente ao Champion do projeto e COO da BMW Financial Services – Nuno Fernandes. Agradecemos igualmente a toda a equipe que fez parte deste trabalho, pessoas sem as quais os resultados não teriam aparecido: BMW-FS - Coordenadora New Business, New Business Team Lead, Operadoras de Implementação de Contrato, Área Manager e Equipe de Informática. Concessionária: Gestoras de Negócio, Chefes de Vendas e Diretor Comercial.
REFERÊNCIAS
Castro, Ricardo Anselmo de (2012). Lean Six Sigma – Para qualquer negócio. IST Press. 2.ª edição.
Castro, Ricardo Anselmo de (2014). O Proveito da Dúvida – Troque o peixe pela vara de pescar. Leanpub.
Para serviços de consultoria e formação neste tema contactar ricardo.anselmo.castro@tecnico.ulisboa.pt
Sobre o autor e livro O Proveito da Dúvida.
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